quinta-feira, 4 de março de 2010

1º Ano do Ensino Médio

O que é cultura.

Quando se fala de cultura de um povo, o que se entende por cultura? Talvez uma resposta razoável para essa questão seja a seguinte: a cultura de um povo é o conjunto de saberes coletivos desse povo. E que são saberes coletivos de um povo?
Entre os índios kaapor, por exemplo, todos os homens, a parti de uma certa idade, sabem construir seus próprios arcos e fiecha. Não é pouco conhecimento. Pelo contrário, para fazer arcos e flechas é preciso conhecer um mundo de coisas e dominar um conjunto das técnicas bastante sofisticadas: saber andar no mato, saber distinguir as árvores certas que fornecem madeira para o arco e outras para a flecha, saber confeccionar a ponta da flecha com ossos ou pedras apropriadas, saber encontrar a fibra adequada e confeccionar a cor¬da para manter o arco retesado, saber confeccionar o “rabo” da fle¬cha com penas de aves dando-lhe a forma de hélices engatadas para dar aerodinâmica e exatidão às flechas etc.
Como esse é um saber compartilhado por vários indivíduos da aldeia, dizemos que se trata de um saber coletivo daqueles índios. Existem outros saberes coletivos que são compartilhados por pratica-mente todos os indivíduos de um grupo. Por exemplo, numa aldeia indígena todos dominam a língua nativa daquele povo (com exceção das crianças muito pequenas).
Vamos pensar agora na população de uma grande cidade brasileira. Um saber coletivo dessa população é, por exemplo, saber andar de ônibus pela cidade, o que implica também saber andar a pé pelas ruas da cidade. Pode parecer óbvio saber pegar um ônibus, mas um índio arrancado da floresta e colocado subitamente numa cidade grande poderá estranhar tudo e se dar mal por não dominar uma série de normas e códigos urbanos. Assim como alguém “arrancadc” da cidade que seja “lançado” no meio da floresta também terá poucas chances de sobreviver.
Mas os saberes coletivos vão além de fabricar arco e flecha ou de saber tomar ônibus na cidade. Envolvem modos comuns de pe ser, sentir e agir que seguem modelos (mutáveis) para a vida em sociedade. Valores morais ou códigos de conduta de uma sociedad¬e, por exemplo, são saberes coletivos que permitem a convivência de indivíduos numa comunidade e, por isso, também, a sobrevivência daquela sociedade.
Assim, uma coisa importante de se saber é que normas e valores de um povo também são saberes coletivos desse povo e costumam s importantes para a sobrevivência dos seus indivíduos.
Por essa abordagem da noção de cultura podemos dizer, por exemplo, que a cultura brasileira é o conjunto de saberes coletivos dos brasileiros. Mesmo que haja grandes diferenças culturais entre brasileiros que morem na roça ou na cidade, morem na Amazônia ou no sul do país, todos nós compartilhamos alguns saberes coleti¬vos comuns. A começar pela língua, o português muito característi¬co do Brasil, cheio de expressões de origens africana e indígena. A grande maioria de nós também compartilha de saberes relativos à música popular e ao futebol do Brasil. Outro dado relevante, hoje, é o compartilhamento quase universal da programação das rádios e televisões brasileiras.
É claro que existem identidades distintas entre, por exemplo, baianos e gaúchos. Essas identidades são forjadas justamente pela cultura do grupo social de cada um. Até a maneira de falar de cada grupo social ou regional é distinta. Pois essas diferenças é que confe¬rem identidade a esses grupos sociais ou a essas regiões do país. Nes¬se contexto, as noções de identidade e de cultura são praticamente idênticas. De maneira semelhante, vemos que há uma ligação muito forte entre os conceitos de cultura e de sociedade.
Muitas vezes, pode-se trocar a expressão sociedade brasileira por cultura brasileira e vice-versa — mas nem sempre. Quando falamos em cultura estamos sempre focando uma identidade coletiva; quan¬do falamos em sociedade estamos focando, em geral, as relações en¬tre segmentos ou grupos sociais diferentes e como eles interagem entre si. De resto, perguntar o que “nasceu” primeiro, a organização social ou a cultura de um povo, seria o mesmo que perguntar o que surgiu primeiro: o ovo ou a galinha.


Cultura brasileira

Ao longo da história, a base da população brasileira foi constituída pela intensa mestiçagem entre índios, africanos e portugueses (além de pequena participação de franceses e holandeses). Durante os doí primeiros séculos de formação do nosso povo, essa foi a marca qu o distinguiu. A partir daí, todo imigrante estrangeiro só reforçou nossa miscigenacão.
Isso quer dizer que a base da nossa cultura resulta da mistura não apenas de três etnias, mas, sobretudo — o que é importantíssimo — três culturas diferentes. E essa informação é muito mais relevante do que se costuma imaginar. Um dado biológico acerca do brasileiro: a grande maioria do nosso povo tem sangue indígena e mais da metade tem sangue negro. Um dado antropológico (cultural) do povo brasileiro: a colonização portuguesa no Brasil só foi possível porque nós assimilamos e adaptamos os saberes coletivos de índios e negros, que nos permitiram sobreviver no mundo tropical, extremamente difícil de ser administrado pelos padrões (culturais) europeus. Se consideramos que índios e sobretudo negros entraram no esquema da colonização como escravos, é preciso notar o quão fortes e resistentes foram as suas culturas para preservarem seus códigos e valores, que eram estranhos àqueles dos portugueses. E, a bem da verdade, o quanto os portugueses souberam utilizar, aqui, os diferentes recursos culturais de outros povos para se adaptarem à nova e dura realidade.
Embora as origens da nossa população e da nossa cultura tives¬sem por base três povos com saberes coletivos muito distintos, uma semelhança curiosa nos unia. Um traço comum às três culturas: pri¬vilegiar o presente e não pensar no futuro de longo prazo.
Para um povo indígena que vivia em aldeias ultrassaudáveis e num meio ambiente farto e bem conhecido não fazia sentido se preocupar com o amanhã. Todos sabiam que a sobrevivência estava garantida e que a natureza forneceria tudo o que fosse necessário ao longo do ano inteiro.
Para o africano trazido à força, a condição de escravo impunha pensar apenas na sobrevivência do dia seguinte. Mirar o futuro, em geral, só o fazia deparar com a triste perspectiva de consumir a vida num trabalho brutal, sem família, sem vida própria.
Para o português que viera aventurar-se em terras tropicais, o que o movia era a chamada “febre do ouro”. Para se ter uma ideia do que isso representou, quando se descobriram as grandes e ri¬quíssimas minas na região de Vila Rica, foi preciso que o Estado português baixasse uma lei restringindo a emigração para o Brasil, a fim de impedir que Lisboa se esvaziasse, perdendo sobretudo sua população masculina.
Além da perspectiva de enriquecer rapidamente, o Brasil ofere¬cia a oportunidade de se aproveitar de uma terra sem lei, extrema¬mente permissiva para os padrões cristãos.
No Brasil, o português tinha pressa. Habitualmente, ele não vi¬nha construir um mundo novo, mas usufruir das riquezas e da liber¬dade que na Europa seria impossível obter. Assim, é de se supor que os portugueses, em geral, estavam aqui “narcotizados” pela perspec¬tiva do curto prazo: gozar o dia de hoje numa terra sem pecado e sonhar com a sorte de amanhã.
A confluência de três culturas referentes à perspectiva do curto prazo tornou-se uma marca importante na formação da cultura bra¬sileira. A partir do século XIX, no entanto, um fato histórico impor¬tante interferiu nessa tendência: a imigração de outros povos com perfis culturais diferentes para o Brasil.
Alemães, italianos, judeus, árabes e japoneses, todos de origem muito humilde, instalaram-se em diversas regiões do país com o firme propósito de construírem um mundo bem mais próspero para eles mesmos, suas famílias e seus descendentes. Para esses imigrantes, a perspectiva do longo prazo era essencial. Toda sua estratégia estava assentada na construção de um futuro em nome do qual abandona¬ram suas pátrias e, para isso, dispuseram-se a enfrentar um mundo desconhecido e quase sempre muito hostil.
O sucesso dos imigrantes e seu traço cultural de pensar no dia de amanhã influenciaram sobremaneira no padrão cultural brasileiro: o de pensar, sobretudo, no dia de hoje.

Visão de mundo dos indígenas

Diálogo entre um chefe tupinambá e um francês na Baía da Guanabara em 1555.

Tupinambá: Porque vindes vós outros, franceses e portugueses, buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra?
Francês: Temos muita, mas não desta qualidade. E não a queimamos, mas dela extraímos tinta para tingir, tal como vós fazeis com seus cordões de algodão.
Tupinambá: E por ventura precisais de muita madeira?
Francês: Sim, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos,facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados.
Tupinambá:Ah! Tu me contas maravilhas... Mas esse homem tão rico de que me falas não morre?
Francês: Sim, morre como os outros.
Tupinambá: E, quando morrem, para quem fica o que deixam?
Francês: Para seus filhos se os têm. Na falta destes, para os irmãos ou parentes mais próximos.
Tupinambá: Na verdade, agora vejo que vós outros franceses sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também?
Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.

LBRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 2007.

Um comentário:

  1. Olá pessoal,
    Aproveitem o texto como melhor lhe convir: leia, comente, copie,etc. Faça bom uso...
    Abraços!!!!

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