terça-feira, 23 de março de 2010

3º Ano do Ensino Médio

O PAPEL DO CIDADÃO
É possível controlar os desvios institucionais? De acordo com a noção de Émile Durkheim, os desvios institucionais são normais na vida social.Clientelismo, nepotismo, patronagem e corrupção são triviais. Mas isso não quer dizer que sejam benéficos. Ao contrário. Os desvios institucionais produzem ineficiência do Estado e, por conseguinte, má alocação dos recursos públicos.
Os desvios institucionais são normais, porque se assim não fosse não haveria razão para proibi-los. Ou seja, se não existisse corrupção em uma sociedade, para que proibi-la? Os desvios institucionais são norrnais na vida social e devem ser controlados. O primeiro elemento central é controlar o poder do Estado e proibir a existência de qualquer forma de privilégio ou abuso de poder. A maneira para se proibir esses desvios e permitir seu controle é criar um império da lei que seja igualmente respeitado por todos. E falar no império da lei é pensar, fundamentalmente, a existência da democracia. É essencial para o controle dos desvios institucionais a existência de mecanismos democráticos presentes no império da lei. O Estado deve adotar princípios fundamentais, como o princípio da publicidade, da moralidade e do dever de ofício de funcionários públicos e agentes privados.
Da mesma maneira é fundamental a participação dos cidadãos nos processos decisórios do Estado, bem como no acompanhamento da implementação de suas políticas públicas. As democracias estão balizadas no princípio da soberania popular, e a vontade geral dos cidadãos deve ser respeitada pelos funcionários públicos. Além do direito e seus procedimentos, a participação cidadã é fundamental ao bom exercício das atividades do Estado, isto é, acompanhando, exigindo e controlando as atividades de governantes e burocratas.
TRANSPARÊNCIA
O Brasil adota os princípios da publicidade e da moralidade como princípios constitutivos do Serviço Público, de acordo com a Constituição de 1988, em seu artigo 37. A publicidade é o prlflCÍplO de acordo com o qual todas as atividades do Estado, bem como todos os registros e documentações públicas, são de livre acesso ao cidadão. O princípio da publicidade implica o fato de o Estado se tornar responsável perante a sociedade. O princípio da moralidade, por outro lado, significa o fato de a administração pública adotar a soberania popular e os devidos valores morais presentes na vida social.
Contra os desvios ética na política
Se como afirma Ëmile Durkheim fenômenos como a corrupção de¬vem ser considerados normais na vida institucional de uma socieda¬de, então o Brasil é um país que se caracteriza por absoluta normali¬dade nesse aspecto. Há quem considere que a corrupção existente no aparelho de Estado é uma verdadeira praga.
Apesar da permanência desse tipo de desvio institucional ao longo de nossa história, há momentos em que a corrupção é trata¬da como verdadeiro escândalo. Diversas figuras políticas perderam sua credibilidade, seus mandatos e alguns até a vida por causa da divulgação das práticas de desvio de dinheiro público, nomeação de parentes, concessões de vantagens a particulares em troca de apoio político, dentre tantas outras práticas políticas condenáveis.
Em meio aos exemplos mais recentes, um se destaca pelo fim trági¬co dos acontecimentos: o suicídio de Getúlio Vargas. Após governar o Bra¬sil de 1930 a 1945 — boa parte desse período com métodos ditatoriais —, Getúlio foi reconduzido à presidência do país pelo voto direto, em 1950. Seu projeto político nacionalista atribuia ao Estado a responsabilidade pela condução da economia, até mesmo por meio de empresas estatais.
Desse princípio decorrem as principais criticas a seu governo. A oposição condenava a intervenção do Estado na economia e o nacionalismo que caracterizavam o governo Vargas. Denunciava, também, o antiamericanismo e a “infiltração comunista” nos al¬tos escalões, numa época em que o mundo vivia sob os conflitos causados pela Guerra Fria. Vários jornais que se opunham a Vargas estampavam nas primeiras páginas denúncias de corrupção, afir¬mando que sob o Palácio do Catete (sede do governo federal, no Rio de Janeiro) corria “um mar de lama”.
Conspirava-se abertamente para derrubar Vargas. Nesse clima de grande tensão política, ocorreu um atentado contra o deputado opo¬sicionista Carlos Lacerda, no qual morreu um militar que fazia sua segurança. Membros da guarda pessoal de Getúlio foram incrimina¬dos, o que aumentou a pressão para que o presidente renunciasse.
Em agosto de 1954, Vargas suicidou-se, deixando uma carta-testa¬mento para explicar seu gesto.
Milhões de pessoas saíram às ruas para homenagear o líder morto. Diante da mobilização popular, os golpistas foram impedidos de completar seus planos, que só se concretizaram dez anos mais tarde.
Mais recentemente, o Brasil viveu outro período bastante conturbado por causa das denúncias de corrupção que atingiram o goverrno federal. Em março de 1990, após uma milionária campanha eleitoral, Fernando Collor de Melo tornou-se o 36º presidente da Re¬oúbiica, eleito com a fama de “caçador de marajás” (funcionários públicos que ganhavam altos salários) e com a promessa de melhorar a vida da população mais pobre, os “descamisados”. Entretanto eu governo foi marcado por inúmeras irregularidades, muitas delas denunciadas por seu irmão Pedro em entrevistas à imprensa em maio de 1992, afirmando que “Fernando sabia de tudo”.
A partir de então, investigações conduzidas por uma Comissão Parlamentar de Inquérito constataram que o governo Collor estava envolvido em desvio de dinheiro público, fraudes, tráfico de influência, extorsão, cobranças de propina para a realização de obras públicas, numa gigantesca teia de corrupção. O tesoureiro da campanha presidencial, Paulo Cesar Farias, embora não ocupasse qualquer cargo no governo, foi responsabilizado como mentor do esquema de desvios. Gigantescas manifestações populares sacudiram o país, exigindo o impeachment do presidente. O Congresso brasileiro tomou essa decisão em 30 de dezembro de 1992, banindo Collor da vida pública durante oito anos por crime de responsabilidade e por atitudes incompatíveis com seu cargo.
Ironicamente, os grupos políticos que ajudaram a derrubar Collor ambém enfrentaram denúncias graves. Nos mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), a imprensa noticiou e o Congresso apurou vários desvios inconstitucionais que teriam ocorrido naqueles governos.
Apesar dos avanços obtidos na transparência dos atos do governo, a questão da ética na política continua sendo um pré-requisito para que a esfera pública não esteja a serviço de interesses particulares.

FINALMENTE
Herbert de Souza (o Betinho)

Finalmente, ColIor saiu. O país respira aliviado. Feliz por ter feito fun¬cionar a Constituição, e não o golpe. Chegou ao fim um presidente que teve a audácia de assaltar a poupança e a conta corrente da nação, violando a Constituição e ainda dizendo que tudo fazia para a felicidade de todos. [...] Um país que aceita ser roubado dessa forma aceita qualquer outra forma, porque no fundo aceitou a violação da Constituição. [...]
E o melhor de tudo, o que nos faz orgulhosos de nosso país, é sairmos sem sair dos trilhos da democracia. Saímos sem a tentação do atalho. Saímos pela porta da frente, da lei, da Constituição. Saímos pela manifestaçao da cidadania livre, autônoma e consciente, que reafirma a necessidade da etica na política e em todos os níveis de nossas vidas. [...]
E o que finalmente prevaleceu no Brasil de hoje foi a ética na política, caminho e condição da democratização do país. Caminho sem pressa e sem golpes, sem medo e sem atalhos. Caminho seguro a ser percorrido daqui para a frente, para construirmos a sociedade que queremos com a participação de todos. [...]

(Herbert de Souza, o Betinho (1935-1997). Nascido em Bocaiuva, Minas Gerais, Betinho se tornou um importante sociólogo e ficou conhecido pela criação da Ação da Cidadania contra a miséria e pela vida. Durante a ditadura militar, foi contrário ao golpe e acabou sendo obrigado a se exilar no Chile. Com o golpe de Pinochet em 1973, foi para o Canadá e para o México. Em 1979, voltou ao Brasil, onde apoiou o movimento pelas eleições diretas. Após as denúncias de corrupção do governo Collor, foi uma das vozes que clamaram pelo impeachment ex-presidente, em 1992. Morreu em 1997, vítima do HIV contraído durante o tratamento da hemofilia.)
(Artigo publicado no Jornal do Brasil, 30/09/1992. In: RODRIGUES, Carla. Etica e cidadania. São Paulo: Moderna, 1996. p. 54-5.)

1 - De acordo com o texto de Betinho, é correto afirmar que Fernando Collor cometeu desvios institucionais durante seu governo? Justifique sua resposta.
2 - Sobre que episódio da história do país Betinho se refere ao se dizer grato por “funcionar a Constituição, e não o golpe”? Pode-se dizer que durante esse episódio a democracia foi respeitada? Explique.
3 - É correto afirmar que o impeachment foi uma atitude condizente com o Estado de Direito? Por quê?
4 - Que desvio institucional a saída do presidente Collor corrigiu, de acordo com Betinho?
5 - Qual foi o papel da população para o restabelecimento da ética?
6 -Você considera que o texto de Betinho demonstra otimismo dian¬te do futuro do país? Justifique sua resposta com base no texto.
A verdade óbvia sobre a corrupção
As frequentes denúncias de corrupção transmitiram uma deprimen¬te sensaçao à opinião pública - a de que o país está perdendo a guerra contra ela. Errado: apesar de derrotas localizadas, em meio a idas e vindas, o Brasil está ganhando essa guerra.
Ainda é difícil perceber com clareza a consistência crescente dos mecanismos, dentro e fora da esfera pública, de controle do Estado.
O cidadão brasileiro tem cada vez mais controle sobre os trã¬mites de recursos oficiais. Não perceber isso é desinformação ou, pior, desonestidade intelectual, assim como não saber que ainda persistem graves desvios de dinheiro.
Vamos a um pouco de História.
Até pouco tempo atrás, os governadores usavam e abusavam dos bancos estaduais; a imensa maioria deles foi privatizada, depois de amplo enfrentamento com grupos que eram contra a privatização.
As contas públicas eram um emaranhado incompreensível por¬que havia três orçamentos: o dos governos, o das estatais e o monetário. Boa parte desses recursos nem sequer era avaliada pelos deputados e senadores.
Lembro-me das terríveis brigas para garantir que o Banco do Brasil continuasse produzindo dinheiro por meio de um mecanismo chamado “conta-movimento”, que o autorizava a dar ordens ao Banco Central.
Grosseiramente comparando, era algo parecido ao adolescente ter direito ao cartão de crédito do pai - e o pai a obrigação de obede¬cer às estripulias financeiras do filho.
A corrupção diminuiu, em parte, apenas porque as imensas estatais foram simplesmente privatizadas. Uma de nossas grandes conquistas foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, que contribuiu para amenizar a fúria de gastos dos governos.
O Ministério Público ganhou poderes e passou a “dar mais dores de cabeça” aos governantes. A Polícia Federal ganhou mais força e vem “desbaratando” quadrilhas.
Apesar de toda a histeria por holofotes - e, muitas vezes, da pés¬sima qualidade das investigações -, as CPIs amedrontam os atuais e futuros delinquentes. Criou-se a Controladoria Geral da União (CGU), que vem descobrindo uma série de falcatruas nas prefeituras. Alguns de nossos melhores repórteres estão focados na descoberta de escân¬dalos, sempre com muito espaço para divulgação.
As novas tecnologias de informação favorecem a localização de dados, além de permitirem a racionalização de gastos oficiais. Estão se tornando rotina na administração pública os leilões, que revelam como se pode economizar.
Há ainda enormes falhas, é verdade. Uma delas é a ineficiên¬cia dos conselhos municipais com representantes dos governos e da sociedade para fiscalizar os gastos em áreas como saúde, educação, assistência social etc.; esses conselhos se transformaram, na maioria das vezes, em apêndices do setor público. Uma das ações urgentes é capacitar esses conselhos. A “lerdeza” da Justiça e a profusão de recursos protelatórios acabam favorecendo a impunidade.
Outra, muita grave, é a baixa escolaridade brasileira, que se tra¬duz na incapacidade de ler e entender notícias. Além disso, verifi¬ca-se o aumento do prestígio da ideia de que todos os políticos são iguais e do “rouba mas faz”.
Mas deixar de reconhecer a criação e o aprimoramento de meca¬nismos de controle do Estado - e aí se inclui a roubalheira - é, além de desonestidade intelectual, um desrespeito e uma injustiça a um grande grupo de brasileiros que, na imprensa, no Ministério Público, no Con¬gresso, na polícia e em entidades não governamentais não desistiram diante do clima generalizado de impunidade e de desperdícios.
Um dos perigos de não mostrar esse fato é que as pessoas dei¬xern de acreditar na democracia e acabem apostando em pretensos salvadores da pátria.

Interesses públicos, privilégios particulares
O senso comume a baixaautoestima nacionaltendem a acreditarque a corrupção, o clientelismo, a patronagem e o nepotismo são característicastípicas do Brasil. Afinal, os desvios aconteceriam por aqui pois “estamos na terra da perrnissividade e da impunidade; lá fora as coisas são diferentes”.
Antes de considerar essa situação uma verdade inquestionável, lembrernos casos de corrupção, desvios e violação de direitos em todo o mundo - até mesmo nas classificadas como “nações desenvolidas” -, o que sugere o caráter mundial do fenômeno.
Ao longo de nossa reflexão, citamos Durkheirn, Weber, Raymundo Faoro, como autores que, cada um a seu modo, trataram da confusão entre público e privado e suas consequências. Podemos incluir mais um nome corno referência nesses estudos: a alemã Hannah Arendt.
Em linhas gerais, Arendt discute a diferença entre viver a vida e viver no mundo. À vida corresponderia toda atividade relacionada com a manutencão da existência biológica individual (obtenção de alimento, produção e reprodução). Ao mundo, compreendido como artifício humano, corresponderiam as atividades que nos distinguem dos outros animais: as ciências, as artes, a política. A política é aqui entendida corno lugar das decisões coletivas, extraindividuais, acerca dos interesses comuns a todos. A partir daí podemos perceber a distância entre a política que se tem atualmente e a política como concebida pela autora. Mais do que propor um modelo ideal, as reflexões de Hannah Arendt - que acompanham as de outros pensadores, tanto filósofos e cientistas políticos quanto socíólogos - pretendem indicar possíveis motivos que expliquem por que viver em sociedade não é mais do que a reunião de indivíduos buscando a manutencão da vida, progressivamente mais desinteressados pelo mundo e o que lhes é comum. Paradoxalmente, a única coisa que hoje parece ser comum a todos é a busca pela manutenção individual.
Essas análises convergem no ponto em que levam em consideração a ação humana como fator de transformação. O império da lei não é tratado como um ente autônomo existente nas relações sociais que deveria ser responsável pelas ações coercitivas a impedir o indivíduo de desviar-se dos comportamentos éticos. Antes, é considerado uma construcão social que, apesar de submeter a sociedade, é por ela erigido, legitimado e passível de alterações.
Dessa forma, os desvios institucionais não devem ser entendidos como sintoma da essencial falta de caráter de determinado representante do poder e da impunidade de que eventualmente esse indivíduo desfrute. Esses desvios estão relacionados às próprias contradições na estruturação das instituições e de suas relacões com as forças sociais em dado momento histórico. Assim, as análises sociológicas não levam em conta a fatalidade da situacão de desvio institucional, sugerindo que há formas de se construir coletivamente uma ação política no típico sentido da palavra: que busque representar interesses comuns, não apenas interesses privatistas ou a permanência de privilégios pessoais. Essa construção coletiva tem sido o grande desafio que as socíedades vêm enfrentando ao longo da evolução histórica, não sem problemas e contradições. Por outro lado, não deixa de ser um avanço o de os movimentos por ética na política terem cada vez mais respaldo em todos os setores sociais, tanto no Brasil como em muitos outros lugares do mundo.


Uma mobilização permanente
Apesar de os desvios institucionais estarem presentes em várias instâncias da vida social, também é fato que sua existência tem sido cada vez combatida por amplos setores da sociedade brasileira. Um reflexo da indignação que essas práticas produzem de leis específicas para impedir a prática dos desvios e punir quem os pratica. No que se refere à tortura, uma das formas de violência do Estado contra os cidadãos que mais causa a própria Constituição Federal de 1988 estabelece que“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (artigo 5, inciso III), havendo lei específica que define as modalidades desse crime e suas respectivas penas. Em relação ao desvio de dinheiro público, foi aprovada recentemente a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece diversas sanções contra o agente público que cometer infrações nessa área. Além disso, tambémé possível destacar a luta contra o nepotismo. Em 2005, por exemplo, o Conselho Nacional Justiça determinou o afastamento imediato de todos os parentes de funcionários de qualquer órgão do poder Judiciário. Embora a regulamentação de medidas de combate a esses desvios institucionais seja, em si, um avanço, e sua aplicação já esteja produzindo alguns efeitos, e evidente que ainda se trata de situações cujo alcance é restrito e cuja disseminação dependerá da mobilização permanente da sociedade para que essas leis sejam de fato eficazes.
PROJETANDO IDÉIAS
Você deve ter percebido, que as notícias de corrupção contra políticos são frequentes nos meios de comunicação. No entanto, muitos políticos, apesar de receberem inúmeras denúncias de cor¬rupção e às vezes se envolverem em processos ainda mais graves, como assassinato, continuam sendo eleitos pelo povo. A situação se torna ainda mais desoladora quando a imunidade parlamentar é utilizada como pretexto para escapar de punições por crimes cometidos, subvertendo-se uma garantia do direito de liberdade do parlamento para se escapar da justiça.
Visando informar os eleitores, foi criada em 2000 a Transparência Brasil, organização independente ligada à Transperency International. O objetivo dessa iniciativa era formar um banco de dados sobre os polí¬ticos, bem como divulgar notícias e dados sobre a situação política do país. Para isso, foi criado um site que colabora com os eleitores na hora em que a memória “falha”, alertando sobre processos, enriquecimen¬tos suspeitos e denúncias que os candidatos tenham recebido.
Caso seja ano de eleições municipais ou estaduais e federais, essa é uma excelente oportunidade de se informar melhor sobre os nos¬sos futuros governantes. Mesmo que você ainda não vote, o desen¬volvimento de uma atuação política consciente deve começar desde cedo. E você ainda pode colaborar com a escolha de sua família e dos amigos, debatendo sobre as opções. Se não for ano de eleição, tam¬bém tem-se uma boa oportunidade de avaliar se os candidatos eleitos estão correspondendo à confiança depositada pelos seus eleitores.
Para isso, siga as seguintes etapas:

1 - Faça uma pesquisa com dez eleitores que votaram nas eleições passadas e retrasadas, ou seja, para prefeito, para governador e presidente. Além do executivo, votamos ainda para vereador, de¬putado estadual, deputado federal e senador. Pergunte a cada um deles em quem votou para cada um desses cargos. Será que eles se lembrarão de todas as escolhas?

2 - Feita a pesquisa, verifique se há mais nomes lembrados ou es¬quecidos. Para que cargos as pessoas prestam mais atenção? E menos? Elabore uma lista com os nomes que apareceram e tente confirmar, fazendo uma pesquisa na internet, se de fato esses candidatos participaram das eleições passadas. Descubra, dentre os candidatos que apareceram na sua lista, quais foram eleitos.

3 - Nessa etapa, vamos descobrir se houve alguma denúncia, enri¬quecimento suspeito ou fraude envolvendo o nome dos eleitos. Para isso, uma ótima fonte de pesquisa pode ser o site da Transparência Brasil (Disponível em . Acesso em: 12/07/2007). A internet também poderá fornecer essas informações pelos sites de busca, como o Google (). Na sua pesquisa, procure saber também o que os políti¬cos em questão fizeram de bom para o país, estado ou município. Eles propuseram algum projeto de lei? Cumpriram promessas de campanha? O que é possível elogiar em suas atuações?

4 Reúnam-se em grupos de até seis alunos para trocar as informa¬ções obtidas. Apareceram candidatos repetidos nas pesquisas individuais? As informações encontradas sobre os eleitos são se¬melhantes? Alguém encontrou informações que os outros não encontraram? Discutam essas e outras questões e organizem-se para apresentar os resultados à classe.

5 Após o trabalho individual e a discussão em grupo, cada grupo deverá apresentar para a classe os candidatos que foram votados, eleitos e o que eles fizeram - ou não fizeram - até o momento. Verifiquem se novamente os políticos e as informações se comple¬tam. A classe poderá organizar um grande cartaz comunitário, re¬sumindo informações sobre cada um desses políticos. Exponham os dados em algum local a que a comunidade escolar tenha aces¬so, colaborando para a divulgação das informações obtidas.

quinta-feira, 4 de março de 2010

3º Ano do Ensino Médio

O QUE SÃO DESVIOS INSTITUCIONAIS?
O que define Estado é o conjunto de suas regras jurídicas. O fundamental é que essas normas são postas para controlar o exercício do poder no Estado Democrático de Direito, fazendo que governantes, políticos e qualquer cidadão estejam submetidos ao império da lei.
Mas essa submissão dos agentes políticos não significa que não seja possível qualquer tipo de desvio. A noção de desvio implica a ideia de que um agente saiu de um certo caminho traçado. É como a água que transborda dos rios. Os rios são fluxos de água que seguem em uma direção específica. Quando transbordam, a água sai de seu fluxo normal e provocam estragos os mais variados. O desvio do fluxo da água também pode ser feito por intervenção humana, quando alguém muda a rota normal pela qual a água seguia. A norma jurídica posta pelo Estado tem a pretensão de ser algo semelhante a um rio, porque determina um fluxo da ação praticada por agentes humanos.
Essa é a noção que a ideia de desvio produz. Mas precisamos pensar. Quando é possível falar que um desvio ocorreu? De acordo com essa analogia com o fluxo da água de um rio, o desvio ocorre sempre que o fluxo de nossa ação social sai de sua normalidade. E onde essa normalidade da ação está posta? O que diz o que é normal e patológico? O normal está instituído no Direito, o qual diz o que é proibido e o que é permitido. Não por acaso a palavra normal tem a raiz etimológica da palavra norma. A norma institui aquilo que é normal. Só podemos pensar o desvio se houver uma norma que institui o que é normal, porque o desvio é, por definição, uma patologia.
Essa distinção entre o normal e o patológico foi criada pelo sociólogo francês Émile Durkheim, em seu livro As regras dométodo sociológico. A diferença entre o normal e o patológico para Durkheim é sublime e precisa de bastante reflexão, pois ela nos ajuda a entender o que dá coesão aos sistemas sociais.
A noção de desvio é devida ao pensamento de Durkheim, para o qual só é possível pensar em um comportamento desviante se houver uma normalidade instituída. Por isso, Durkheim afirmou que o crime como um tipo de desvio, é normal na vida social, porque não é possível ¬dizer o que vem primeiro, se o normal ou o patológico. O crime é normal na vida social porque não é possível pensar a existência de regras se não houver sua transgressão. Do mesmo modo que não é possível dizer que haja uma transgressão se não houver uma norma que diga o que é normal.
Como a Sociologia é a ciência que estuda as instituições sociais, segundo Durkheim, podemos pensar que ocorrem desvios nessas instituções. Como instituições, de acordo com o pensador francês, são artifícios humanos, trata-se dos desvios proporcionados pelos homens dentro das instituições. Vamos falar, essencialmente, dos desvios produzidos nas instituições do Estado, tendo em vista a política e a luta pelo poder. Mas quais são os desvios institucionais do Estado?

QUAIS SÃO OS DESVIOS INSTITUCIONAIS?
Vimos que para pensar a ideia de desvios institucionais, é fundamental ter em vista a noção de Direito: o império da lei institui aquilo que é normal e define, por sua vez, aquilo que é patológico, ou seja, o desviante da normalidade. A característica fundamental do Estado de Direito é o fato de o império da lei não permitir qualquer tipo de privilégio ou uso indevido do poder. A lei está a serviço da sociedade para controlar o poder do Estado e não permitir seus desvios.
Como a lei tem a pretensão de dar uma direção à nossa ação, os desvios institucionais apenas podem ocorrer em função dela. E como o império da lei, de acordo com Max Weber, na modernidade, vem para controlar o poder e acabar com os privilégios, os desvios institu¬cionais devem ser pensados a partir do Direito e da razão de Estado, e não dos interesses pessoais. Do ponto de vista dos elementos centrais para pensar os desvios institucionais, é fundamental ter a noção de que esses desvios são oriundos da luta pelo poder e dos privilégios de certos grupos sociais.
Poder e prestígio são os fatores centrais para a existência dos desvios institucionais. Eles são derivados do abuso do poder, seja político seja econômico, e dos privilégios de certos grupos sociais na sociedade. Entre os principais desvios institucionais estão o clientelismo, o nepotismo, a patronagem e a corrupção. São modulações dos desvios institucionais que estao relacionadas ao abuso do poder por certos agentes políticos ou aos privilégios que certos grupos sociais têm no exercício de seu poder. Na modernidade, a separação entre o público e o privado é o elemento central de constituição do Direito do Estado. O anormal, portanto, o que representa o desvio, é tudo aquilo que faz que o mundo privado não se diferencie do mundo público. Todos os desvios institucionais estão rela¬cionados a essa diferenciação entre o público e o privado.
O clientelismo é uma das práticas mais antigas da política. Pres¬supõe uma relação interativa entre o cliente e o patrão. Fundamental¬mente, o clientelismo é uma forma de vincular os homens livres a seus patronos, caracterizada pela troca de favores e de presentes, tendo em vista o apoio político. A relação entre patronos e clientes sustenta-se, por conseguinte, em um sistema de trocas que, enquanto prática, tolera certa prevaricação do patrono em relação à res publicae (coisa pública). Ou seja, o sistema de trocas do clientelismo permite uma tolerância sobre o fato de o chefe político elevar seu mundo privado sobre o mundo público.
O nepotismo, do mesmo modo que o clientelismo, é um tipo de prática antiga, datada do domínio dos papas sobre o império roma¬no. A palavra nepotismo vem do latim nepos, que quer dizer sobrinho. O nepotismo se referia ao poder dos sobrinhos do papa em Roma. Na acepção moderna, o nepotismo se refere a qualquer pessoa que exer¬ça um poder ou tenha certo privilégio porquanto tenha um parente em uma posição de comando. O nepotismo institui certos privilégios na administração do Estado e ineficiência da ordem burocrática. O nepotismo permite a apropriação de cargos públicos em virtude de laços exclusivamente pessoais, relacionados ao parentesco.
A patronagem é um sistema entre patrão e clientes, mas que ocorre exclusivamente no plano das instituições. A patronagem está relacionada aos sistemas partidários e ao modo como governantes exercem cooptação sobre os partidos. O governante dá aos partidos políticos recursos e poder em troca de apoio nas arenas legislativas. Com isso, os partidos apadrinhados pelo sistema de patronagem po¬dem participar dos despojos, ou seja, da distribuição dos cargos pú¬blicos para atender aos interesses privados de políticos e burocratas.
A corrupção, por outro lado, ocorre quando um funcionário públi¬co recebe vantagens em troca do não cumprimento de um dever oficial, seja para atender ao interesse privado de outro funcionário público, seja para atender ao interesse de um agente privado. A corrupção se dá, fun¬damentalmente, em razão do dinheiro e do poder.
OS DONOS DO PODER
(Raymundo Faoro)

A política será ocupação dos poucos, poucos e esclarecidos, para o comandc das maiorias analfabetas, sem voz nas urnas. [...]
Nos primeiros arrancos republicanos, com o Exército na chefia do governo e nomeados os governadores [...], a estrutura não sofre alterações. A dinâmica do regime, eletivos os cargos, sobretudo o cargo de governador leva a deslocar o eixc decisório para os Estados, incólumes os grandes, cada dia mais, à interferência do centro, garantindo-se e fortalecendo-se este com o aliciamento dos pequenos, num movimento que culmina na política dos governadores. Dentro de tal se¬quência é que se afirma o coronelismo, num casamento, cujo regime de bens e relações pessoais será necessário disseminar, com as oligarquias estaduais. [...]
O coronel, antes de ser um líder político, é um líder econômico, não necessa¬riamente, como se diz, o fazendeiro que manda nos seus agregados, empregados ou dependentes. O vínculo não obedece a linhas tão simples que se traduziram no mero prolongamento do poder privado na ordem pública. [...] Ocorre que o coronel não manda porque tem riqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder num pacto não escrito. Ele recebe — recebe ou conquista — uma fiuida delegação, de origem central do Império, de fonte estadual na República, graças à qual sua autoridade ficará sobranceira ao vizinho, guloso de suas dragonas simbólicas, e das armas mais poderosas que o governador lhe confia. O vínculo que lhe outorga poderes públicos virá, essencialmente, do aliciamento e do preparo das eleições, notando-se que o coronel se avigora com o sistema da ampla eletividade dos cargos, por semântica e vazia que seja essa operaçao.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre; Rio de Janeiro. Globo, 1985 v 2 p 621 2

Com base na leitura do texto de Raymundo Faoro, responda às questões a seguir:
1 - O que o autor entende por coronelismo? Pode-se afirmar que se trata de um desvio institucional?
2 – O trecho selecionado aborda a passagem do Império para a Repú¬blica no Brasil. Pode-se afirmar que, com a instituição desse novo regime, a maior parte da população passou a ter voz na política do país? Justifique sua resposta.
3 - Em que medida a “política dos governadores” determinou o coronelis¬mo? Recorra ao texto “Coronelismo, um tipo particular de clientelis¬mo”, se julgar necessano.
4 - A partir da prática do coronelismo, como se pode interpretar a frase: “A política será ocupação dos poucos, poucos e esclarecidos, para o comando das maiorias analfabetas, sem voz nas urnas”?
6 De que maneira o coronelismo fere os princípios da democracia?

CORONELISMO, UM TIPO PARTICULAR DE CLIENTELISMO
Um dos desvios institucionais mais frequentes na história da humanidade é o que se refere ao uso que determinados grupos políticos fa¬zem do Estado para se perpetuar no poder. No Brasil, uma das palavra que melhor expressam esse tipo de prática é coronelismo. Até hoje importantes líderes — geralmente exercendo mandatos parlamentares ou ainda no Poder Executivo local e regional — têm sua força eleitoral atribuída às práticas coronelísticas historicamente construídas.
A origem do coronelismo está associada à própria constituição do Estado nacional brasileiro após a independência política, proclamada em 1822. Com o argumento de que era necessário garantir a unidade nacional, o imperador D. Pedro I impôs uma Constituição que lhe ara¬buía poderes absolutos, decisão que causou revoltas em diversas regiões do país. Sem conseguir se impor diante de uma oposição política cada vez mais forte no Brasil e aparentemente muito interessado no processo sucessório da Coroa portuguesa, D. Pedro I renunciou. Seu herdeiro, D. Pedro de Alcântara, tinha então apenas cinco anos de idade.
Assim teve início o período regencial (1831-1840) . Foi uma época de muita agitação e, a princípio, o governo ficou sob o controle dos políticos moderados (os chimangos). A oposição a eles se articulou, de um lado, em torno de políticos conservadores conhecidos como caramurus, que desejavam o retorno ao poder de D. Pedro I, movimento que só acabou após sua morte, em 1834. De outro lado, no grupo conhecido como “exaltados” (ou farroupilhas), estavam os defensores de reformas radicais do sistema de governo, entre eles os federalistas, que queriam descentralizar o poder político, e os republicanos, que lutavam pelo fim da Monarquia.
Os grupos sociais que não se sentiam representados pelos polí¬:nos tradicionais acirraram o clima de conflito com conspirações e violentas manifestações populares e militares nas ruas.
Em meio à crise surgida após a abdicação e em virtude da falta de entendimento entre as elites políticas, a Regência Trina tentava con¬quistar o apoio dos grandes fazendeiros. A maior preocupação era: como controlar o poder político e garantir sua dominação social? Uma das medidas destinadas a resolver esse problema foi a criação da Guarda Nacional, em 1831. Dela só poderiam participar homens que tivessem uma renda mínima anual de cem mil réis, comandados pelo chefe político local eleito pelos fazendeiros para a função de coronel.
Teoricamente, a Guarda Nacional deveria ser mobilizada para de defender o interesse público, mas na prática os coronéis defendiam os interesses particulares das elites políticas e econômicas. As disputas pelo poder local se davam em torno do controle do então frágil aparelho de Estado existente nos municípios. A função de coronel tornou-se um pos¬to cobiçado, pois poderia decidir quem seria dono do poder local.
Além do uso da violência contra seus inimigos políticos, os coronéis concediam pequenos favores e providenciavam alguns benefícios à população em troca de voto em seus candidatos.
Durante toda a República Velha (1889-1930), interessava ao go¬verno federal que houvesse líderes locais com quem pudesse realizar troca de favores. Num país em que a principal atividade geradora de riquezas era a agricultura e, por causa disso, a maioria da população vivia no meio rural, os presidentes articulavam apoio nos estados por meio da “política de governadores”, trocando apoio político por verbas públicas para obras do interesse local. Os governadores eram eleitos em razão dos apoios recebidos dos coronéis de seu estado, formando uma rede de compromissos políticos e particulares.
Apesar da extinção da Guarda Nacional em 1922, a força política dos cooronéis manteve-se durante algum tempo com jagunços e capangas para combater as tentativas de desafio aos seus interesses. Símbolo de um mundo rural em rápida transformação, o coronelismo entrou em decadência a partir da década de 1930, à medida que a modernização da sociedade brasileira se refletia na industrialização e urbanização do país.

Padre Cícero, um coronel de batina
Considerado um santo por muitos, padre Cícero Romào Batista (1844 - 1934) ainda hoje é tido como uma das figuras políticas brasileiras mais polêmicas. Nascido em Crato, interior do Ceará, Cícero ordenou-se padre em 1870 com o apoio de um importante coronel de sua região. Foi suspenso de suas atividades sacerdotais pelo bispo de Crato em 1892. após envolver-se na divulgação de um suposto milagre do qual teria participado no povoado de Juazeiro do Norte.
A partir de então, aproveitando o enorme prestígio obtido na luta pelo reconhecimento do milagre, padre Cicero iniciou suas atividades políticas ao se tornar o primeiro prefeito de Juazeiro, aliando-se ao governador Nogueira Acioli, representante das oligarquias que dominavam o estado havia 25 anos. Em 1912, o governo federal interveio na política cearense. apoiando militarmente a posse do candidato Franco Rabelo. O novo governador, dentre várias ações que provocaram revolta entre os coronéis cearenses, afastou o padre Cícero do cargo de prefeito.
De dezembro de 1913 a março de 1914, o estado foi abalado por sangrentos combates entre forças legalistas e tropas de jagunços sob o comando do deputado Floro Bartolomeu, com apoio do padre Cícero. Após várias derrotas, e com os revoltosos invadindo Fortaleza, Franco Rabelo renunciou. O padre Cicero foi nomeado vice-governador do estadc .
Ao longo de sua vida, padre Cícero acumulou grande fortuna, tornando¬ - se proprietário de mais de trinta fazendas. Em seu terceiro testamento, deixou boa parte de sua fortuna para a Diocese de Crato e para várias ordens e irmandades religiosas. O carisma político e a influência religiosa do “padim Ciço” movimentam até hoje romarias com milhares de pesso que todos os anos vão a Juazeiro pedir a bençào dele.

A DEVOÇÃO PELO CÍCERO
Todos os anos, cerca de dois milhões de peregrinos visitam Juazeiro do Norte, CE, movidos pela crença nos milagres do padre Cícero. Apesar de a Igreja nunca ter reconhecido seus supostos milagres nem seu papel missionário, a veneraçao em torno do padre levou algumas autoridades católicas a rever sua posição.
A polêmica em torno do assunto tem por origem o fenômeno de transformação de hóstias em sangue no momento da comunhão da beata Maria de Araújo, que teria se repetido diversas vezes entre 1889 e 1891. Na época, uma comissão havia concluído pela autenticidade dos fatos. Mas o bispo de Crato, tido como adversário político do “padim Ciço”, formou nova comissão que reduziu o episódio a uma farsa. Em função disso, o padre foi suspenso de suas atividades eclesiásticas e chegou a ter uma ordem de excomunhão expedida pelo papa LeãoXIII. Apesar disso, a fama dos milagres continuou se espalhando e transformou a crença no padre Cícero num negócio muito rentável, movimentando a economia da cidade de Juazeiro com o crescimento da indústria e do comércio de suvenires religiosos.
Diante da expansão das religiões protestantes pelo interior do Nordeste, a reabilitação do “padim” pela Igreja Católica pode contribuir para a manutenção de seus fiéis e preservação da influência do clero católico na região.

2º Ano do Ensino Médio

O QUE É RELIGIÃO

A religião é um elemento central da experiência humana e existe em todas as sociedades conhecidas. Traços de rituais e símbolos religiosos já se evidenciam desde o tempo das sociedades antigas, das quais temos conhecimento apenas através de vestígios arqueológicos. A religião influencia de diversas maneiras a forma pela qual vemos o mundo e reagimos ao meio que nos rodeia. Por isso, Geertz afirma na obra A interpretação das culturas, que a religião é sociologicamente interessante não porque descreve a ordem social, mas porque a modela.
A palavra religião vem do latim (religione) e remete ao verbo religare, que significa a ação de ligar. Junito Brandão, em seu livro Mitologia greca, define religião como um conjunto de atitudes e atos por meio dos quais o homem se liga ao divino ou manifesta sua dependência em relação a seres invisiveis tidos como sobrenaturais. Entretanto, é preciso ter muito cuidado ao identificar a religião apenas com a crença no sobrenatural, pois há diversas religiões orientais que não há deuses, mas a valorização de ideais éticos que relacionam o crente à unidade natural do universo. Também é preciso cuidado para não identificar a religião com o monoteísmo (crença em um só Deus), pois há muitas religiões que cultuam diversas divindades.
Por constituir um fenomeno socialmente condicionado, a religião pode ser considerada historicamente transitória. Por exemplo, um individuo nascido na Europa da Idade Média dominada pelo Cristianismo tem crenças religiosas diferentes de outro nascido num sistema de castas da Índia ou mesmo numa sociedade indígenaantes da colonização portuguesa. Nesse sentido, o estudo da religião representa um desafio importante para a imaginação sociológica: ao analisar as práticas religiosas temos de interpretar crenças e rituais diferentes em diversas culturas; ao estudar o papel social da religião, temos de ser sensíveis aos ideais que inspiram as convicções dos crentes e reconhecer a diversidade de crenças religiosas variadas.
Apesar das diferenças, o ponto comum entre todas as religiões é que elas implicam um conjunto de simbolos e rituais realizados coletivamente. Aliás, há quem considere coletividade o fator principal que distingue, no âmbito da sociologia, a religião da magia. Giddens, por exemplo, em sua obra Sociologia, define magia como a tentativa individual de influenciar os acontecimentos por meio do uso de poções, cânticos ou práticas rituais, e religião corno um conjunto de crenças e práticas rituais às quais os membros de uma comunidade aderem , que envolvem simbolos ligados à reverência e à admiração.
Já Durkheim considera o aspecto coletivo das cerimônias religiosas um fator que não só diferencia a religião da magia, mas também mantém acesa a chama da fé religiosa. Segundo ele, no livro As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália, as crenças permanecem se partilhadas. É assim que elas nascem e são adquiridas. Para Durkheim, aqueles que verdadeiramente têm fé saem do isolamento e se aproximam dos outros para convencê-los, e a força de suas convicções mantém sua fé, pois, sozinha, ela enfraqueceria.

Hinduismo e budismo

A religião mais antiga é o hinduísmo, que teve origem na Índia há cerca 6.000 anos. O hinduísmo é uma religião politeísta (adota diversos deuses) e tem muitas variações em termos de cultos, práticas e orientações religiosas. Seus adeptos (os hindus) aceitam a doutrina da reencaarnaçào — que se refere ao eterno processo de nascimento, morte e renascimento. Essa doutrina, que estrutura o sistema de castas da Índia, baseia-se na crença de que as pessoas nascem numa determinada posição social por causa da natureza de suas atividades em encarnações anteriores. Ao contrário dos cristãos e dos mulçumanos, os hindus não se empenham na conversão de outros à sua crença; eles simplesmente aceitam a existência de diversas religiões diferentes.
Como o hinduísmo, o budismo tem diversas variações, só que todas partem de Siddhartha Gautama, o Buda histórico, que foi príncipe de um reinado no sul do Nepal no século VI a.C. Mas, diferentemente do hinduísmo, o budismo não tem deuses e valoriza os ideais que relacionam o crente à unidade natural do universo.
Buda, que significa “O Iluminado’) rejeitou os rituais dos hindus e a hierarquia social das castas. Segundo seus ensinamentos, os seres humanos podem escapar do sofrimento e do ciclo de reencarnação por meio da renúncia ao desejo. O budismo exerce grande influência em países do extremo Oriente como Sri Lanka, China, Japão, Coreia, entre outros. No Brasil, o budismo foi introduzido por imigrantes japoneses que chegaram ao país no início do século XX.

AS RELIGIÕES, A CIDADE E O MUNDO
Reginaldo Prancli

O Brasil contemporãneo é um país moderno, no sentido de que os ele¬mentos estruturais desta sociedade são tipicamente racionais, burocratizados. dessacralizados, isto é, próprios da civilização ocidental moderna capitalista. Contudo, algumas religiões francamente voltadas para práticas religiosas de caráter mágico vêm experimentando aqui grande sucesso. [...] Pois essas re¬ligiões que se firmam em concepções tradicionais da relação com o mundo sobrenatural, e que são correntemente consideradas próprias de sociedades mais tradicionais, quase pré-capitalistas, vêm conquistando legiões e legiões de seguidores, o que se dá, é bom frisar, também e principalmen te, nas regiões e cidades mais desenvolvidas do país. [...]
Para essa enorme parcela da população que pouco tem como e onde se expressar no movimento que dá vida à sociedade moderna, [...] a religião é de novo identidade, grupo, comunidade, amparo, auxílio,jeito de viver e lei. Essa sacralidade de tipo tradicional, densamente mágica, que, de novo, pode até mesmo ser tocada e tocar, não está mais reservada a este ou àquele velho tem¬plo ou lugar preservado no tempo, como relíquia testemunhando o passado da velha fé e reservada àqueles que não conseguiam distanciar-se definitivamente de um mundo entendido como antigo e ultrapassado [...], essa sacralidade invade a cidade.
A cidade profana e agnóstica é de novo tomada pelas criaturas de deus, e do diabo. [...]
Nas grandes e médias cidades brasileiras, e nos pequenos centros urbanos que gravitam em torno daqueles maiores, vive a maioria dos brasileiros. [...] A maioria da população que aí habita, entretanto, apenas vive, e vive mal: não há teto, emprego, nem meio de transporte para todos. [..]. Calcula-se que no fim do século metade das famílias brasileiras estará habitando barracos de favelas e cômodos de cortiços. E desde já não terão para onde ir, esses que agora mes¬mo nem sequer têm onde ficar.

PRANDI, Reginaldo. As religiões, a cidade e o mundo. In: PIERUCCI, Antônio Flávio: PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil: religiào, sociedade e política. São Paulo: Hucitec. 1996. p. 23-5.


RESPONDA ÀS QUESTÕES

1 - Qual é a contradição verificada pelo autor no primeiro parágrafo entre modernidade e tradição? Que situação ele verifica atual¬mente no país, especialmente nas grandes e médias cidades?

2 - Como Reginaldo Prandi explica o crescimento da magia nos cen¬tros urbanos brasileiros?

3 - Em que medida as condições sociais proporcionadas pelas cidades brasileiras colaboram para esse fenômeno? Justifique sua resposta.

4 - Explique, com base nas ideias do texto, a frase “a cidade profana e agnóstica é de novo tomada pelas criaturas de deus, e do diabo”.

1º Ano do Ensino Médio

O que é cultura.

Quando se fala de cultura de um povo, o que se entende por cultura? Talvez uma resposta razoável para essa questão seja a seguinte: a cultura de um povo é o conjunto de saberes coletivos desse povo. E que são saberes coletivos de um povo?
Entre os índios kaapor, por exemplo, todos os homens, a parti de uma certa idade, sabem construir seus próprios arcos e fiecha. Não é pouco conhecimento. Pelo contrário, para fazer arcos e flechas é preciso conhecer um mundo de coisas e dominar um conjunto das técnicas bastante sofisticadas: saber andar no mato, saber distinguir as árvores certas que fornecem madeira para o arco e outras para a flecha, saber confeccionar a ponta da flecha com ossos ou pedras apropriadas, saber encontrar a fibra adequada e confeccionar a cor¬da para manter o arco retesado, saber confeccionar o “rabo” da fle¬cha com penas de aves dando-lhe a forma de hélices engatadas para dar aerodinâmica e exatidão às flechas etc.
Como esse é um saber compartilhado por vários indivíduos da aldeia, dizemos que se trata de um saber coletivo daqueles índios. Existem outros saberes coletivos que são compartilhados por pratica-mente todos os indivíduos de um grupo. Por exemplo, numa aldeia indígena todos dominam a língua nativa daquele povo (com exceção das crianças muito pequenas).
Vamos pensar agora na população de uma grande cidade brasileira. Um saber coletivo dessa população é, por exemplo, saber andar de ônibus pela cidade, o que implica também saber andar a pé pelas ruas da cidade. Pode parecer óbvio saber pegar um ônibus, mas um índio arrancado da floresta e colocado subitamente numa cidade grande poderá estranhar tudo e se dar mal por não dominar uma série de normas e códigos urbanos. Assim como alguém “arrancadc” da cidade que seja “lançado” no meio da floresta também terá poucas chances de sobreviver.
Mas os saberes coletivos vão além de fabricar arco e flecha ou de saber tomar ônibus na cidade. Envolvem modos comuns de pe ser, sentir e agir que seguem modelos (mutáveis) para a vida em sociedade. Valores morais ou códigos de conduta de uma sociedad¬e, por exemplo, são saberes coletivos que permitem a convivência de indivíduos numa comunidade e, por isso, também, a sobrevivência daquela sociedade.
Assim, uma coisa importante de se saber é que normas e valores de um povo também são saberes coletivos desse povo e costumam s importantes para a sobrevivência dos seus indivíduos.
Por essa abordagem da noção de cultura podemos dizer, por exemplo, que a cultura brasileira é o conjunto de saberes coletivos dos brasileiros. Mesmo que haja grandes diferenças culturais entre brasileiros que morem na roça ou na cidade, morem na Amazônia ou no sul do país, todos nós compartilhamos alguns saberes coleti¬vos comuns. A começar pela língua, o português muito característi¬co do Brasil, cheio de expressões de origens africana e indígena. A grande maioria de nós também compartilha de saberes relativos à música popular e ao futebol do Brasil. Outro dado relevante, hoje, é o compartilhamento quase universal da programação das rádios e televisões brasileiras.
É claro que existem identidades distintas entre, por exemplo, baianos e gaúchos. Essas identidades são forjadas justamente pela cultura do grupo social de cada um. Até a maneira de falar de cada grupo social ou regional é distinta. Pois essas diferenças é que confe¬rem identidade a esses grupos sociais ou a essas regiões do país. Nes¬se contexto, as noções de identidade e de cultura são praticamente idênticas. De maneira semelhante, vemos que há uma ligação muito forte entre os conceitos de cultura e de sociedade.
Muitas vezes, pode-se trocar a expressão sociedade brasileira por cultura brasileira e vice-versa — mas nem sempre. Quando falamos em cultura estamos sempre focando uma identidade coletiva; quan¬do falamos em sociedade estamos focando, em geral, as relações en¬tre segmentos ou grupos sociais diferentes e como eles interagem entre si. De resto, perguntar o que “nasceu” primeiro, a organização social ou a cultura de um povo, seria o mesmo que perguntar o que surgiu primeiro: o ovo ou a galinha.


Cultura brasileira

Ao longo da história, a base da população brasileira foi constituída pela intensa mestiçagem entre índios, africanos e portugueses (além de pequena participação de franceses e holandeses). Durante os doí primeiros séculos de formação do nosso povo, essa foi a marca qu o distinguiu. A partir daí, todo imigrante estrangeiro só reforçou nossa miscigenacão.
Isso quer dizer que a base da nossa cultura resulta da mistura não apenas de três etnias, mas, sobretudo — o que é importantíssimo — três culturas diferentes. E essa informação é muito mais relevante do que se costuma imaginar. Um dado biológico acerca do brasileiro: a grande maioria do nosso povo tem sangue indígena e mais da metade tem sangue negro. Um dado antropológico (cultural) do povo brasileiro: a colonização portuguesa no Brasil só foi possível porque nós assimilamos e adaptamos os saberes coletivos de índios e negros, que nos permitiram sobreviver no mundo tropical, extremamente difícil de ser administrado pelos padrões (culturais) europeus. Se consideramos que índios e sobretudo negros entraram no esquema da colonização como escravos, é preciso notar o quão fortes e resistentes foram as suas culturas para preservarem seus códigos e valores, que eram estranhos àqueles dos portugueses. E, a bem da verdade, o quanto os portugueses souberam utilizar, aqui, os diferentes recursos culturais de outros povos para se adaptarem à nova e dura realidade.
Embora as origens da nossa população e da nossa cultura tives¬sem por base três povos com saberes coletivos muito distintos, uma semelhança curiosa nos unia. Um traço comum às três culturas: pri¬vilegiar o presente e não pensar no futuro de longo prazo.
Para um povo indígena que vivia em aldeias ultrassaudáveis e num meio ambiente farto e bem conhecido não fazia sentido se preocupar com o amanhã. Todos sabiam que a sobrevivência estava garantida e que a natureza forneceria tudo o que fosse necessário ao longo do ano inteiro.
Para o africano trazido à força, a condição de escravo impunha pensar apenas na sobrevivência do dia seguinte. Mirar o futuro, em geral, só o fazia deparar com a triste perspectiva de consumir a vida num trabalho brutal, sem família, sem vida própria.
Para o português que viera aventurar-se em terras tropicais, o que o movia era a chamada “febre do ouro”. Para se ter uma ideia do que isso representou, quando se descobriram as grandes e ri¬quíssimas minas na região de Vila Rica, foi preciso que o Estado português baixasse uma lei restringindo a emigração para o Brasil, a fim de impedir que Lisboa se esvaziasse, perdendo sobretudo sua população masculina.
Além da perspectiva de enriquecer rapidamente, o Brasil ofere¬cia a oportunidade de se aproveitar de uma terra sem lei, extrema¬mente permissiva para os padrões cristãos.
No Brasil, o português tinha pressa. Habitualmente, ele não vi¬nha construir um mundo novo, mas usufruir das riquezas e da liber¬dade que na Europa seria impossível obter. Assim, é de se supor que os portugueses, em geral, estavam aqui “narcotizados” pela perspec¬tiva do curto prazo: gozar o dia de hoje numa terra sem pecado e sonhar com a sorte de amanhã.
A confluência de três culturas referentes à perspectiva do curto prazo tornou-se uma marca importante na formação da cultura bra¬sileira. A partir do século XIX, no entanto, um fato histórico impor¬tante interferiu nessa tendência: a imigração de outros povos com perfis culturais diferentes para o Brasil.
Alemães, italianos, judeus, árabes e japoneses, todos de origem muito humilde, instalaram-se em diversas regiões do país com o firme propósito de construírem um mundo bem mais próspero para eles mesmos, suas famílias e seus descendentes. Para esses imigrantes, a perspectiva do longo prazo era essencial. Toda sua estratégia estava assentada na construção de um futuro em nome do qual abandona¬ram suas pátrias e, para isso, dispuseram-se a enfrentar um mundo desconhecido e quase sempre muito hostil.
O sucesso dos imigrantes e seu traço cultural de pensar no dia de amanhã influenciaram sobremaneira no padrão cultural brasileiro: o de pensar, sobretudo, no dia de hoje.

Visão de mundo dos indígenas

Diálogo entre um chefe tupinambá e um francês na Baía da Guanabara em 1555.

Tupinambá: Porque vindes vós outros, franceses e portugueses, buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra?
Francês: Temos muita, mas não desta qualidade. E não a queimamos, mas dela extraímos tinta para tingir, tal como vós fazeis com seus cordões de algodão.
Tupinambá: E por ventura precisais de muita madeira?
Francês: Sim, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos,facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados.
Tupinambá:Ah! Tu me contas maravilhas... Mas esse homem tão rico de que me falas não morre?
Francês: Sim, morre como os outros.
Tupinambá: E, quando morrem, para quem fica o que deixam?
Francês: Para seus filhos se os têm. Na falta destes, para os irmãos ou parentes mais próximos.
Tupinambá: Na verdade, agora vejo que vós outros franceses sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também?
Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.

LBRY, Jean de. Viagem à Terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 2007.
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